1 - A Procissão
Não há muitas palavras para descrever a enorme devoção de quem seguiu esta ilustre procissão, cuja figura central é a da Nossa Senhora das Relíquias, transportada num andor que captou os olhos de centenas de fiéis e cidadãos da nobre Vidigueira.
A procissão partiu da Igreja Paroquial de São Francisco (construída em 1732), contornou a Cascata da Vidigueira (datada de 1891), rumou à Praça D. Vasco da Gama (onde se encontra a estátua do navegador construída no ano de 1970, e um Museu Municipal Etnográfico que outrora fora a escola primária da vila no séc. XIX) até atingir finalmente a Praça da República, aonde os andores seriam depositados na Igreja da Misericórdia da Vidigueira (remonta ao ano de 1592, e foi reconstruída em 1688 devido a um incêndio).
Durante a procissão, avistei ainda a presença dos escuteiros e da fanfarra dos Bombeiros Voluntários da Vidigueira, isto para além da presença de mais dois andores, um transportando o Menino Jesus e outro São Rafael, segundo me informaram. Também o pároco esteve presente juntamente com os seus acólitos.
Muitas pessoas seguiram a procissão, outras acompanharam a partir das suas varandas e/ou janelas.
Esta tradição é já muito antiga e baseia-se numa lenda que transcreveremos mais à frente. Até Fialho de Almeida, famoso escritor (1857-1911) se rendeu à mesma, quando era muito provavelmente ateu, ou pelo menos, um fervoroso agnóstico/céptico que bebia do anticlericalismo.
Imagem nº 1 - A procissão iria circundar a Cascata. Muitas pessoas acompanhavam lateralmente a mesma.
Foto da minha autoria
Imagem nº 2 - A escultura da padroeira Nossa Senhora das Relíquias.
Foto da minha autoria
2- A animação à noite e actividades do Programa
À noite, desloquei-me para assistir aos espectáculos que decorriam na Praça D. Vasco da Gama. Vislumbrei a existência dum palco, através do qual um Dj (de seu nome Miguel Azevedo), animava a comunidade rodando diversas músicas. Não tarda nada começariam os bailaricos. Jovens, adultos e idosos bailavam incessantemente, esquecendo os problemas e as preocupações de rotina e gozando assim o momento. Mulheres dançavam com Homens, Mulheres dançavam com Mulheres e até Homens bailaram com outros Homens! Mas o que importava realmente era o divertimento mútuo e isso foi assegurado para alegria das várias centenas de pessoas que ontem à noite se deslocaram para compor bem o largo.
Havia ainda barracas ou compartimentos móveis onde se vendiam cachorros, farturas, hambúrgueres (eu provei um, e até queria repetir, mas não pude porque não queria contribuir para as estatísticas da obesidade), bebidas diversas, isto para além das inúmeras mesas destinadas aos visitantes. Denotei ainda a presença dum pequeno parque de jogos (carrosséis) destinado às crianças que puderam igualmente usufruir da festividade.
Rute Marlene será uma das próximas artistas a pisar o palco no próximo Sábado, e aí espera-se que a adesão aumente bastante, dado o prestígio da cantora que irá animar com a sua música o povo da Vidigueira e demais visitantes que aqui se deslocam para as festas da Nossa Senhora das Relíquias. Por isso, é plausível que ao longo dos 4 dias (29 de Maio - 1 de Junho), a totalidade dos participantes atinja a esfera dos milhares, o que seguramente é muito bom para a terra.
De acordo com o programa, houve ainda largada de touros, bailes, festa da malha, convívio de sueca, jogos de futebol, entre outras actividades culturais.
É de saudar o empenho do Município da Vidigueira que compôs bem o largo com serviços para o agrado dos visitantes.
Deixamos em baixo a menção à lenda que originou todo este culto e que constitui parte integrante deste concelho alentejano.
Imagem nº 3 - O largo começava a compor-se perto das 22:30...
Foto da minha autoria
Imagem nº 4 - Passava da meia noite e já se dançava de qualquer forma.
Foto da minha autoria
3 - A Lenda de Nossa Senhora das Relíquias:
"Reinando neste reino o Sereníssimo Rei D. Afonso V, em torno da vila de Vidigueira havia uma povoação pequena, em que ainda hoje há dois moradores e se chama ao monte dos Alfaiates; vivia nela um lavrador, por nome Pedro Afonso, casado com Margarida Fernandes, e tinham uma filha chamada Maria, que o seu exercício era guardar o gado. Em uma manhã de muito frio lhe disse a mãe que fosse conduzir para o sítio conveniente, ao que ela não duvidou; mas pediu lhe desse pão para almoçar, e como o não tivesse e estivesse para amassar, a persuadiu se fosse, e quando voltasse lho daria. Obedeceu a filha, e pastorando o gado até chegar àquela várzea, se assentou debaixo de um zambujeiro; mas como a fome a apertasse, se pôs a derramar muitas lágrimas e a repetir soluços entre os quais teve a fortuna de ouvir uma voz, que lhe perguntou porque chorava; ao eco levantou os olhos e viu sobre o zambujeiro uma senhora cercada de luzes celestiais, que lhe tornou a inquirir qual era a causa da sua aflição, ao que satisfez, referindo o que lhe tinha sucedido com a sua mãe.
A Virgem Senhora Nossa, que em sua imagem lhe apareceu e fez aquela pergunta, depois de a ouvir, lhe mandou fosse a casa, porque ela lhe teria cuidado do gado até que voltasse, e que pedisse outra vez pão a sua mãe, e que se ela lhe respondesse ainda não o tinha, lhe dissesse fosse ver a arca, que se o não achasse, ela tornaria para o gado contente sem ele. Foi a venturosa menina para casa, e pedindo pão à mãe, lhe respondeu esta que ainda não o tinha amassado; suplicou a filha com a instância que a Senhora lhe tinha dito, o que ouvindo a mãe, a levou dentro à casa em que estava a arca para a desenganar, como quem tinha certeza de que não havia nela pão; e abrindo-a para que a filha visse era verdade o que lhe dizia, ficou admirada de a ver cheia, quando sabia que nela não havia nenhum, e inquirindo a menina quem lhe dissera que na arca havia pão, lhe referiu o que lhe tinha sucedido; e inferindo do que ouvia contar a filha que naquele sucesso havia prodígio grande, deu logo parte ao marido e aos poucos vizinhos que ali moravam, e todos assentaram que fossem ver quem tinha falado à menina para que lhe disseram os guiasse ao lugar, e chegando a ele, apontando com o dedo, lhes mostrou a Senhora em cima do zambujeiro, dizendo para a mãe, aquela é a Senhora que me disse tínheis pão e que me mandou vo-lo fosse pedir, porque ela entretanto me guardaria o gado.
Todos os que vieram a examinar o que a menina referia tiveram a fortuna de ver a Senhora muito resplandecente, e admirados do prodígio, se prostraram todos por terra, e ficando uns reverenciando aquele prodígio celeste, mandaram outros participar esta noticia à povoação mais próxima, a qual então era muito limitada e agora é a vila da Vidigueira.
No mesmo dia foram ao monte dos Alfaiates a ver o prodígio do pão, e depondo todos os da casa que nela não havia, o tiveram por milagroso, e repartindo parte dele pelos que se acharam presentes, ficou ainda para os que depois vieram, e todos o estimaram como relíquia"
Texto extraído de: http://www.lendarium.org/narrative/o-milagre-de-nossa-senhora-das-reliquias-versao-1/
Imagem retirada de: http://alcariadaserra.blogspot.pt/2007/08/festa-em-honra-de-nossa-senhora-das.html
Desta lenda, nasceria o Convento de Nossa Senhora das Relíquias na actual Quinta do Carmo. Vasco da Gama e os seus sucessores, que lá chegariam a ser sepultados, sempre demonstraram uma devoção e grande respeito por esta instituição monástica.
4 - Poema com o testemunho do Mensageiro da Vidigueira
O Largo das Caras-Bonitas
(Poema da minha autoria)
Quando à noitinha cheguei, logo pude constatar:
Vasco da Gama deveras irritado
E por ventura bastante amuado
Por não ver as mulheres a dançar
Porque de costas estava para o palco!
Ele que adorava o culto de Nossa Senhora das Relíquias,
Tinha dores nas costas e não se conseguiu divertir
Nem sequer viu a procissão,
E nem sequer tem agora qualquer tostão!
É culpa da Troika que o nosso dinheiro soube extrair!
Mas eu digeri um hambúrguer apetitoso!
Eu até mereço tal recompensa
Porque sou um crente muito zeloso
E também aprecio a beleza feminina
Isto sem querer gerar qualquer ofensa!
Perdido em tanta formosura,
Houve uma imitadora de Vénus
Que o meu olhar logo captou
Aquele cabelo castanho, ao longe, brilhou
Ao ponto do meu coração sofrer de enorme tortura!
Ai ai ai! Tal como o Vasco, também me tornei impotente!
Se disser que a amo, levo uma chapada
Que logo as minhas intenções desmente
Acentuando a minha vida azarada
E, por este andar, ainda viro a louco paciente.
A sua cara branquinha e oval,
É digna de ser registada em verso!
Como ela, não há igual!
Vou ver se apaixonadamente rezo
Para que o meu sonho se torne real!
No meio dos bailaricos,
Também as figuras típicas dançavam!
A comunidade fartava-se de rir,
Os que não bailavam,
Comiam e bebiam até quase cair!
Imagem nº 5 - Muitas caras bonitas compareceram na derradeira noite de sonho que se pautou pelo frenesim.
Foto retirada de: http://www.magiazen.com.br/palavra-chave/deusa/page/4
Nota extra - Foi hoje lançado publicamente o novo site do Arquivo Municipal da Vidigueira, o qual irá incorporar diversas colectâneas que estão aí armazenadas, nomeadamente fotos antigas e actas das Câmaras Municipais da Vidigueira e Vila de Frades (esta extinta em 1854). É de elogiar este gesto muito importante que foi promovido pelas seguintes personalidades: Dr. Carlos Cristo, Conceição Lança, Vera Baetas e Francisco Caipirra.
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