É evidente que não é nosso propósito colocar em causa a genialidade deste escritor, o qual é, para muitos, o melhor escritor alentejano de sempre. Ninguém poderá inclusive duvidar do importantíssimo testemunho que este erudito nos deixou sobre a transição turbulenta entre a Monarquia Constitucional e a Primeira República Portuguesa (finais do século XIX - inícios do século XX).
Mas também não é nosso objectivo traçar neste artigo a biografia de Fialho, algo que até já foi efectuado nos primeiros textos deste blog.
Hoje, vamos falar um pouco do seu feitio.
Normalmente, e quando estou perante um retrato de Fialho, há sempre uma senhora ao meu lado que diz - "Ele deveria ser um homem de primeira" ou "Ele era um homem jeitoso. Aquela barba ficava-lhe a matar" ou até "Quem me dera ter um homem com aqueles neurónios".
Bem, a erudição não é tudo na vida, e é indiscutível que o escritor vilafradense tinha a capacidade de escrever muito bem e denunciar as injustiças e desigualdades da época como poucos neste Mundo, mas é evidente que existia um lado pessoal, embora este tenha sido esboçado através duma infância difícil, onde foi alvo duma educação exigente e lidou, de perto, com a pobreza e a discriminação (sobretudo em Lisboa, onde faria os seus estudos). Toda esta vida dura se iria repercutir na sua futura forma de estar - um homem frio, capaz duma crítica feroz e violenta (chegou a utilizar mesmo um pseudónimo curioso - Valentim Demónio) desrespeitando mesmo os sentimentos de outrem, muito frontal, mas igualmente implacável. Não seria de estranhar que Fialho ganhasse vários inimigos em cada artigo ou obra que publicava, e por isso, acabou isolado o resto da sua vida. O seu lema "miando pouco, arranhando sempre e não temendo nunca" era especial, mas este grande gato assanhado que tinha a virtude única de escrever, tornava-se mesmo insuportável à vista dos outros que não se reviam no seu estilo de vida.
Desidério Lucas do Ó no seu livro recente "Vila de Frades - Capital do Vinho de Talha" (p. 22) traça mesmo alguns comportamentos de Fialho, que vêm reforçar tudo o que dissemos até agora:
"Até há bem pouco tempo ainda era hábito dizer-se que, ainda rapaz, já revelava uma forte dose de mau feitio e revolta que o haviam de acompanhar durante toda a vida.
Conta-se que, tendo sido castigado pelo pai, se recolheu a um canto a chorar. Nesse preciso momento, o galo cantou. Irritado, foi à capoeira e torceu-lhe o pescoço para que não voltasse a troçar dele.
Contava-se igualmente que Fialho teria contribuído para a morte prematura da mulher já que, apesar de doente, a obrigava a acompanhá-lo nos seus passeios entre Cuba e Vila de Frades (8 Km). Em redor da sua morte também se construiu um mito - ter-se-ia suicidado, ingerindo veneno".
Recorde-se que a mulher de Fialho, Emília Pego (natural de Cuba), faleceu praticamente ao fim de um ano de matrimónio.
Não, não deveria ser fácil aturar o temperamento de Fialho de Almeida, meus senhores!
Recentemente, alguns populares disseram-me que nem no final da vida ele abandonara a arte de escarnear os outros. No fim das conversas, punha-se ainda a fazer manguitos aos outros habitantes, porque temia que estes ficassem a dizer mal dele atrás das costas. E de vez em quando, alguém respondia "Ó Senhor Doutor, por favor... Isso nem parece seu!"
Felizmente, o escritor Fialho de Almeida não está vivo, pois se ele tivesse o desprazer de ler este texto, eu seria a próxima vítima dele nos seus livros implacáveis, e largava-me logo dois gatos ou linces assanhados contra a minha pessoa, decerto com melhor feitio do que ele (também não era difícil, verdade seja dita).
Imagem nº 1 - Retrato de Fialho de Almeida com o seu inseparável gato assanhado.
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