sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

O legado romano do Monte da Cegonha em Selmes

Como observamos no artigo anterior, a ponte que gera tanto orgulho nesta aldeia não é afinal romana, mas sim produto do moderno século XVI.
Contudo, é certo que esta localidade foi outrora ocupada na Idade Antiga pelos romanos. Como testemunha, temos a villa instaurada no Monte da Cegonha no decurso do século I d. C., e que manteria inclusive uma ocupação até ao século XII, atingindo até a Plena Idade Média.
O conjunto está implantado no sopé de uma encosta suave, junto a uma pequena linha de água de regime irregular (o Barranco de Pexém) que acaba por se ligar à Ribeira de São Pedro.


Monte da Cegonha visto da villa romana

Imagem nº 1 - O Monte da Cegonha em Selmes.
Retirada de: http://www.panoramio.com/photo/59846364, (Sound Verite)


O abastecimento de água na villa terá sido feito mediante a presença dum pequeno aqueduto (ao nível do solo), poço e tanque (utilizado igualmente para banhos), garantindo igualmente as necessidades mais básicas.
Um incêndio a leste da villa, forçou a necessidade de reconstrução da mesma. No decurso da sua segunda fase, houve lugar para a criação de termas, mas manteve-se ainda o anterior tanque (localizado no sector oeste). Em finais do século III d. C. ou apenas nos inícios do século IV d. C., denotou-se uma nova reformulação. É verdade que algumas das estruturas anteriores foram preservadas ou reaproveitadas, mas agora encontraremos uma villa que adopta uma arquitectura tardia, na qual apresenta uma planta que se desenvolve longitudinalmente no sentido Norte-Sul, com duas fachadas (uma virada para oeste e outra para leste), e gerando talvez acesso a um grande pátio murado. A norte são construídas termas mais modernas. Juntamente com estes novos edifícios, terá sido construída uma nova basílica (séc. IV), presumivelmente composta por três naves com cabeceira recta tripartida, que manteria o seu culto durante quatro séculos, sofrendo intervenções na era visigótica.. A Basílica teria ainda nas suas proximidades uma necrópole (cemitério antigo), cujas sepulturas assentavam numa caixa composta por materiais reutilizados nomeadamente pedra, tijolo e tegulas.
De facto, a última campanha arqueológica no local detectou vários materiais atribuídos às mais diversas fases históricas desta ocupação milenar (romanos, visigodos e muçulmanos), mas os mais recentes remontam ao século XII, época que condiz com o avanço da Reconquista Cristã Portuguesa, tendo as suas consequentes perturbações bélicas ocasionado o abandono definitivo deste lugar que afinal já levaria mais de um milénio de ocupação, embora os dados recolhidos até então ainda se pautem pela escassez, pois trata-se dum período muito antigo.




Imagem nº 2 - As Ruínas Romanas no Monte da Cegonha (Selmes - Vidigueira).
Retirada de: http://www.panoramio.com/photo/59846389, (Sound Verite)


Villa romana do Monte da Cegonha (Selmes)

Imagem nº 3 - Restos de um antigo edifício...
Retirada de: http://www.panoramio.com/photo/59846381, (Sound Verite).




Achados de relevo


Durante as escavações arqueológicas, descobriram-se elementos com um tremendo valor cultural. Uma delas foi a caixa-relicário (supostamente datada do séc. VI) encontrada na Basílica e que era revestida por mármore de S. Brissos. Foram ainda detectados medalhões, medalhas, fragmentos de objectos de cerâmica, materiais de construção, entre outros artefactos.
Ainda em jeito de curiosidade, vislumbrou-se um exemplar do jogo do moinho, tradicionalmente romano, que assentava numa base de tijolo em cerâmica. Recorde-se que os romanos eram fervorosos adeptos dos jogos de lazer. Apesar das damas e do xadrez não serem jogos essencialmente romanos (o primeiro parece ser medieval, o segundo terá sido inventado pelas civilizações asiáticas), a verdade é que, nesses tempos, haviam outros que reivindicavam maior protagonismo, nomeadamente o jogo do moinho, o alquerque dos doze, o jogo do soldado, a tabula, o jogo do galo (ou da velha)...
No caso em concreto do jogo do moinho, as regras eram as seguintes: cada jogador recebia 9 peças, o objectivo passava por colocar três peças em linha (na horizontal ou vertical, mas nunca na diagonal), e sempre que isso acontecesse, o mais habilidoso ou sortudo poderia retirar uma peça ao adversário. Quando este último, ficasse apenas com duas peças (isto é, já sem qualquer hipótese de fazer linha ou moinho) perdia o jogo. Esta partida, apesar de ter perdido muita força nos dias de hoje, ainda motiva algumas competições entre a juventude. O mesmo deverá ainda estar disponível gratuita e virtualmente na Internet, pois já o testei, embora tenha perdido sempre nas poucas vezes que o joguei.
Os romanos do Monte da Cegonha já sabiam o que era diversão...





Referências Consultadas:


  • ALFENIM, Rafael; LOPES, Maria Conceição - A Basílica Paleocristã/Visigótica do Monte da Cegonha (Vidigueira) in IV Reunião de Arqueologia Cristã Hispânica. Barcelona: Instituto de Estudos Catalães, 1995.
  • MOUTINHO, Alarcão; LOPES, Conceição; ALFENIM, Rafael - A Caixa Relicário do Monte da Cegonha - Selmes (Vidigueira). Arqueologia e Laboratório in IV Reunião de Arqueologia Cristã Hispânica. Barcelona: Instituto de Estudos Catalães, 1995.
  • Pedras que jogam. Jogos de Tabuleiro de outras épocas. Exposição promovida pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Museu da Cidade e Câmara Municipal de Lisboa. Deste catálogo, retiramos a imagem citada em cima.

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