O enterro do entrudo do ano de 2014 revelou ser um sucesso em Vila de Frades, não só pela presença dum cortejo na ordem das dezenas de pessoas, isto sem esquecer as centenas de habitantes que aproveitaram aquele dia agradável, digno de Primavera, para assistir, a partir das suas casas, ao cortejo tradicional.
As viúvas (talvez entre 15 a 20 mulheres) demonstraram os seus talentos de autênticas carpideiras, gritando pelas ruas a morte do seu adorado Jacinto, o pobre homem que iria ser enterrado.
Dizem as testemunhas que ele ressuscitou inúmeras vezes, graças ao Deus Baco, a divindade do vinho, já que aquela garrafa alentejana que o acompanhava deu-lhe vida por várias vezes. Claro que houve um altura em que teve a necessidade de sair do caixão para urinar, até porque tinha ingerido líquidos a mais durante o seu insólito enterro.
O percurso começou no Largo de São Cucufate, prosseguiu por várias ruas da vila, e terminaria junto à Taberna Casemiro, isto é, nas proximidades da Igreja da Misericórdia.
O Bispo que fazia o enterro, recordava as qualidades e a memória do pobre coitado que tinha falecido através das seguintes quadras que proferia (antes de as lerem, é bom que tenham a noção que as mesmas foram ditas em tom de brincadeira, e não para ofender a sensibilidade de ninguém):
Até à morte chegou a crise,
Não há dinheiro para caixões,
Enterramos o nosso irmão,
Até à pele dos feijões.
Morreu o irmão careca,
Com a cabeça rachada,
Morreu pensando em comer,
Vomitando sem comer nada.
Veio o padre, veio a freira
O Papa ficou ausente
Enterramos nosso irmão
Acompanhado por tanta gente.
Nesta vida tudo sofre
Sofro eu e sofres tu
Até o nosso irmão sofreu
Quando estava todo nu.
Coitado do inocente,
Por vezes até dá dó,
Querer morder em tanta gente,
Apenas com um dente só.
Viveste na boa harmonia,
De perto sempre a olhar,
Hoje só nos resta este braço
Aonde vocês podem agarrar.
(uma das pessoas do cortejo aponta para o objecto genital do morto assemelhado a um braço)
Deixaste de falar ao nosso ouvido
Mas vives no nosso coração,
Recordamos-te todo partido
Atropelado como um cão.
Separamo-nos do teu corpo,
Nossos Corações estão partidos
Ficou a tua obra de arte,
Eras um bom cão e bom bandido.
Davas-te bem com toda a gente,
Até viveste em altos fornos
Dos teus grandes amigos
Levavas porrada nos cornos.
E vamos continuar
A vida não acabou
E cheiro foi, se sente no ar
Será o morto que se bufou.
Testamento do Falecido
O testamento encontrado
Escrito com confiança.
Estamos todos incluídos
Na sua pequena herança.
As pulgas e os carrapatos
Os meus maiores amigos
Esses não os dou a ninguém
Não os largo, vão comigo!
Com testemunhos diversos
Vou deixar escrito quem herda
Para todo os que me acompanham
Deixo um grande balde de merda.
Entrego a alma a Deus
O corpo à terra fria
Deixo os colhões à minha mãe
E a picha para a minha tia.
Apesar de algumas palavras mais picantes, a verdade é que os versos geraram inúmeras gargalhadas em todos aqueles que assistiam ao enterro do entrudo.
Estava pois a terminar a época de Carnaval, na qual estas brincadeiras não podem ser levadas a mal!
Imagem nº 1 - O morto despedia-se deste mundo.
Foto da autoria de Luís Amado
Imagem nº 2 - As viúvas estavam desoladas com a partida do homem da sua vida.
Foto da autoria de Luís Amado
Imagem nº 3 - Houve um tempo até para tomar uns bons copos.
Foto da autoria de Luís Amado
Imagem nº 4 - O Deus Baco ressuscitara o morto.
Foto da autoria de Luís Amado
Imagem nº 5 - Muitas pessoas deram os seus pêsames durante o cortejo.
Foto da autoria de Luís Amado
Imagem nº 6 - A nova ressurreição do falecido assustou muita gente.
Foto da autoria de Luís Amado
Imagem nº 7 - O smile do protagonista Jacinto.
Foto da autoria de Luís Amado
Imagem nº 8 - O Bispo ou Padre lia alegremente as quadras que exibimos em cima.
Foto da autoria de Luís Amado
Imagem nº 9 - Nova paragem junto à Praça 25 de Abril para lembrar a memória do Jacinto. O braço a que se referem numa das quadras, pode ser visto na parte inferior do caixão com um topo avermelhado.
Foto da autoria de Nuno Parreira
Adorei os versos e o enterro.É bom ver localidades que mantém as tradições, é verdade que o Carnaval de hoje em dia é muito alegre e colorido, mas também é muito comercial e dispendioso e às vezes o que é mais simples e sem improviso é mais engraçado e onde toda a gente pode participar.
ResponderEliminar